Rodrigo Soares Assessoria Jurídica

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 16/01/2024, sancionou a Lei Federal nº 14.817, que estabelece diretrizes para a valorização dos profissionais da educação escolar básica pública. Sancionada sem vetos, a norma tem como finalidade estabelecer critérios gerais de regulamentação e consequente adimplemento de alguns dos princípios constitucionais do ensino, em especial o da valorização dos profissionais da educação, gravados no artigo 206 da Carta Magna. O texto da lei uniformiza o modo de estruturação e exercício das funções de magistério na educação básica pública, determinando ao Poder Público a elaboração de planos de carreira que estimulem tanto o desempenho quanto o desenvolvimento desses profissionais em benefício da qualidade da educação escolar, assim como a formação continuada para sua permanente atualização, além de garantirem adequadas condições de trabalho para favorecer o sucesso do processo educativo.

E o que muda na prática para o Professor com a edição da lei? Primeiramente, salienta-se que a norma em questão não está direcionada ao ensino privado. Seu artigo 1º é muito claro e delimita a aplicação dos seus dispositivos aos profissionais vinculados à rede pública de ensino:

“Art. 1º – A implementação do princípio de valorização dos profissionais da educação escolar, inscrito no inciso V do art. 206 da Constituição Federal, no que se refere aos profissionais das redes públicas de educação básica, obedecerá às diretrizes fixadas na presente Lei.”

Outrossim, seus ditames alcançam apenas aqueles que compõem o ensino básico, ou seja, aqueles que têm como objeto precípuo a alfabetização plena e a formação de leitores, assegurando ao indivíduo formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecendo meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores – o que, por conseguinte, compreende as atribuições ligadas à pré-escola, ao ensino fundamental e ao ensino médio.

A norma é bem-vinda e auxiliará na equalização das respectivas estruturações estatutárias ligadas à carreira dos profissionais de educação. Não é sinônimo de engessamento ou de invasão de competência de auto-organização dos Entes federativos, mas, de certo, estreitará um pouco mais os limites da construção dessas sistemáticas, de modo a diminuir ou erradicar desigualdades funcionais notoriamente observadas de Estado para Estado, de Estado para Município e de Município para Município.

Não é norma jurídica que veio com propósito de alterar significativamente os sistemas funcionais educacionais já consolidados, ao contrário, ela acaba por validar muitos deles, exigindo, contudo, certas adequações. Ou seja, não pense, Professor, que a rede pública à qual está vinculado será obrigada a recriar todo o plano de carreira vigente. Na maioria dos sistemas, a nova norma não trará impacto significativo.

Na rede pública de ensino do Estado de São Paulo, por exemplo, tanto no plano de carreira estabelecido pela Lei Complementar nº 836/1997 quanto pela sistemática da Lei Complementar nº 1.374/2022, a estruturação funcional do magistério permanecerá praticamente intacta, sendo pontuais as adequações a serem realizadas pelo Governo do Estado de São Paulo para se alinhar aos ditames trazidos pela Lei Federal nº 14.817/2024. Uma delas, entretanto, é bem relevante: o piso base dos salários.

Há estimativa de que o piso nacional dos professores passe, em 2024, de R$ 4.420,55 para R$ 4.492,16 para os profissionais de educação básica que exerçam jornada de 40 horas semanais de trabalho (R$ 22,46 por hora/aula). Não é de hoje que entidades de classe e a categoria docente do Estado de São Paulo lutam pela adequação das tabelas de vencimento ao piso nacional, de modo a ter como ponto de partida o valor do piso nacional na base salarial da carreira do magistério.

Contudo, o Governo do Estado de São Paulo, até então, burla o pagamento correto do piso, especialmente aos Professores de Educação Básica I, acrescentando-lhes adicional complementar de piso de modo a adequar sua remuneração ao estabelecido na Lei Federal nº 11.738/2008, o famoso “abono complementar ao piso salarial profissional nacional do magistério público”.

Com o advento da Lei Federal nº 14.817/2024, passa a ser obrigatório observar o piso nacional como base remuneratória das carreiras funcionais nas redes públicas de ensino:

“Art. 4º Os planos de carreira dos profissionais da educação escolar básica pública contemplarão as seguintes diretrizes:

[…]

V – piso remuneratório da carreira definido e atualizado em conformidade com o piso salarial profissional nacional estabelecido em lei federal, nos termos do inciso VIII do art. 206 da Constituição Federal.”

Outro ponto interessante a considerar no texto da lei – talvez seu ponto alto – é a definição conceitual das condições de trabalho ideais aos profissionais da educação escolar básica, indispensáveis, inclusive, para o êxito do trabalho pedagógico, devendo a Administração Pública contemplar (Art. 6º):

I – adequado número de alunos por turma, que permita a devida atenção pedagógica do profissional a cada aluno, de acordo com as necessidades do processo educacional;

II – número de turmas, por profissional, compatível com sua jornada de trabalho e com o volume de atividades profissionais extraclasse, decorrentes do trabalho em sala de aula;

III – disponibilidade, no local de trabalho, dos recursos didáticos indispensáveis ao exercício profissional;

IV – salubridade do ambiente físico de trabalho;

V – segurança para o desenvolvimento das atividades profissionais;

VI – permissão para o uso do transporte escolar no trajeto entre o domicílio e o local de trabalho, quando não houver prejuízo do uso pelos estudantes.

Cai também lapso temporal de experiência exigida para o exercício de outras funções de magistério. A Lei Federal nº 14.817/2024 reduz para 2 (dois) anos o período de experiência docente mínimo estabelecido como pré-requisito para o exercício de quaisquer funções de suporte pedagógico à docência, isto é, direção e administração escolar, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacionais, ou ainda funções de suporte técnico e administrativo que requeiram formação técnica ou superior em área pedagógica ou afim.

Obviamente, a adequação das redes públicas de ensino à nova lei não será imediata. Haverá ainda muito embate político e possivelmente repercussão jurídica como forma de resistência ao adimplemento desses comandos normativos. Todavia, no geral, é norma que beneficia e amplia os instrumentos de proteção à categoria tão sofrida e que é crucial à manutenção da democracia e do Estado brasileiro.

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